17 de dezembro de 2010

Momentos

O som do saxofone era inebriante, cheio de swing, numa interpretação magistral dum velho êxito de Charlie Parker. A pequena sala estava quase cheia, e a atmosfera azulada pelo fumo dos cigarros conferia-lhe um ambiente único na noite de Lisboa. Fazia-se sentir o silêncio dos verdadeiros apreciadores do bom Jazz, apenas entrecortado, aqui e ali, pelo gelo que tilintava nos copos.
No fim da actuação a plateia emerge em aplausos que, não sendo efusivos, são bem demonstrativos do quanto haviam gostado. Aquela tribo do Jazz era doutro nível, não se desfaziam em estridentes aplausos à toa, eram conhecedores profundos do que ouviam e como tal tornaram-se exigentes, até mesmo selectivos.
De súbito, um indivíduo de meia-idade, com um proeminente bigode preto aborda-o.

- É a 1ª vez que cá vem ?

- Sim, de facto é, nota-se muito ?

Sorrisos.

- Nota-se pois, mas estive a observá-lo e pela forma como fechou os olhos e batia ritmada e acertadamente os pés. Digo-lhe uma coisa, você tem “swing”.

- Obrigado, mas olhe que não distingo um Dó dum Ré.

- Nem isso é preciso, o Jazz sente-se e vive-se sem pauta.

Seguiu-se uma ligeira palmada nas costas e aquela simpática personagem sumiu-se na azulada nuvem de fumo.
O resto da noite foi agradável, e ao sair sabia que ia voltar, e não seriam tão poucas vezes assim.
E assim foi, lá voltou, não tantas vezes como as que havia pensado voltar, mas ainda assim as suficientes para aprender a gostar cada vez mais de Jazz.
Das vezes que voltou, não mais viu aquela afável figura que o havia interpelado na sua 1ª visita. Só mais tarde, ao ver na televisão o programa de Jazz do José Duarte é que deu de caras com aquela figura de novo.

Era o Luiz Villas Boas, grande figura do Jazz nacional, considerado mesmo o Pai do Jazz em Portugal e que, sem que eu soubesse, me apadrinhou na minha primeira visita ao já saudoso, Hot Club, em meados dos anos 80.

4 comentários:

  1. Olá Eduardo, o jazz é mesmo assim, entra por nós adentro sem aviso prévio, é inebriante, viciante e um estilo de música que nunca nos esgota a paciência!
    Beijinhos de boa semana, Sofia

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  2. Belo encontro, Eduardo!
    Cumplicidades de quem partilha os mesmos gostos, e recordações inesqueciveis que ficam.
    Beijinho.

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  3. Olá Sofia, adoro de facto Jazz, exceptuando aquele Jazz mais exprimental e que tenho dificuldade de o "entender".
    Mas acima de tudo, não passo sem os meus velhos Blues, esses sim, o meu estilo muscial de eleição.

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  4. Olá Teresa, na altura nem percebi que estava perante tamanha figura do nosso Jazz.
    Grandes recordações do Hot Club, podes crer.
    Parece que se calhar vai reabrir, apesar do incêndio que o destruiu.
    Jocas.

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