7 de fevereiro de 2010

Alentejo.

Palavra mágica que começa no Além e termina no Tejo, o rio da portugalidade. O rio que divide e une Portugal e que à semelhança do Homem Português, fugiu de Espanha à procura do mar.
O Alentejo molda o carácter de um homem. A solidão e a quietude da planície dão-lhe a espiritualidade, a tranquilidade e a paciência do monge; as amplitudes térmicas e a agressividade da charneca dão-lhe a resistência física, a rusticidade, a coragem e o temperamento do guerreiro. Não é alentejano quem quer. Ser alentejano não é um dote, é um dom. Não se nasce alentejano, é-se alentejano.
Portugal nasceu no Norte mas foi no Alentejo que se fez Homem. Guimarães é o berço da Nacionalidade, Évora é o berço do Império Português. Não foi por acaso que D. João II se teve de refugiar em Évora para descobrir a Índia. No meio das montanhas e das serras um homem tem as vistas curtas; só no coração do Alentejo, um homem consegue ver ao longe.
Mas foi preciso Bartolomeu Dias regressar ao reino depois de dobrar o Cabo das Tormentas, sem conseguir chegar à Índia para D. João II perceber que só o costado de um alentejano conseguia suportar com o peso de um empreendimento daquele vulto. Aquilo que para o homem comum fica muito longe, para um alentejano fica já ali. Para um alentejano não há longe, nem distância porque só um alentejano percebe intuitivamente que a vida não é uma corrida de velocidade, mas uma corrida de resistência onde a tartaruga leva sempre a melhor sobre a lebre.
Foi, por esta razão, que D. Manuel decidiu entregar a chefia da armada decisiva a Vasco da Gama. Mais de dois anos no mar... E, quando regressou, ao perguntar-lhe se a Índia era longe, Vasco da Gama respondeu: «Não, é já ali.». O fim do mundo, afinal, ficava ao virar da esquina.
Para um alentejano, o caminho faz-se caminhando e só é longe o sítio onde não se chega sem parar de andar. E Vasco da Gama limitou-se a continuar a andar onde Bartolomeu Dias tinha parado. O problema de Portugal é precisamente este: muitos Bartolomeu Dias e poucos Vasco da Gama. Demasiada gente que não consegue terminar o que começa, que desiste quando a glória está perto e o mais difícil já foi feito. Ou seja, muitos portugueses e poucos alentejanos.
D. Nuno Álvares Pereira, aliás, já tinha percebido isso. Caso contrário, não teria partido tão confiante para Aljubarrota. D. Nuno sabia bem que uma batalha não se decide pela quantidade mas pela qualidade dos combatentes. É certo que o Rei de Castela contava com um poderoso exército composto por espanhóis e portugueses, mas o Mestre de Avis tinha a vantagem de contar com meia-dúzia de alentejanos. Não se estranha, assim, a resposta de D. Nuno aos seus irmãos, quando o tentaram convencer a mudar de campo com o argumento da desproporção numérica: «Vocês são muitos? O que é que isso interessa se os alentejanos estão do nosso lado?» Mas os alentejanos não servem só as grandes causas, nem servem só para as grandes guerras. Não há como um alentejano para desfrutar plenamente dos mais simples prazeres da vida. Por isso, se diz que Deus fez a mulher para ser a companheira do homem. Mas, depois, teve de fazer os alentejanos para que as mulheres também tivessem algum prazer. Na cama e na mesa, um alentejano nunca tem pressa. Daí a resposta de Eva a Adão quando este, intrigado, lhe perguntou o que é que o alentejano tinha que ele não tinha: «Tem tempo e tu tens pressa.» Quem anda sempre a correr, não chega a lado nenhum. E muito menos ao coração de uma mulher. Andar a correr é um problema que os alentejanos, graças a Deus, não têm. Até porque os alentejanos e o Alentejo foram feitos ao sétimo dia, precisamente o dia que Deus tirou para descansar.
E até nas anedotas, os alentejanos revelam a sua superioridade humana e intelectual. Os brancos contam anedotas dos pretos, os brasileiros dos portugueses, os franceses dos argelinos... só os alentejanos contam e inventam anedotas sobre si próprios. E divertem-se imenso, ao mesmo tempo que servem de espelho a quem as ouve.
Mas para que uma pessoa se ria de si própria não basta ser ridícula porque ridículos todos somos. É necessário ter sentido de humor. Só que isso é um extra só disponível nos seres humanos topo de gama.
Não se confunde, no entanto, sentido de humor com alarvice. O sentido de humor é um dom da inteligência; a alarvice é o tique da gente bronca e mesquinha. Enquanto o alarve se diverte com as desgraças alheias, quem tem sentido de humor ri-se de si próprio. Não há maior honra do que ser objecto de uma boa gargalhada. O sentido de humor humaniza as pessoas, enquanto a alarvice diminui-as. Se Hitler e Estaline se rissem de si próprios, nunca teriam sido as bestas que foram.

8 comentários:

  1. Tenho uma secreta e sincera admiração pelo Alentejo no seu todo. Desde a sua Natureza falsamente singela, porquanto há ali toda uma riqueza digna de admiração, às suas gentes quase sempre espartanas nos costumes e certeiras nas falas.
    Noto contudo um pequeno deslize aqui neste panegírico ao alentejano e que surge quando compara a mulher aos pequenos prazeres da vida. Nunca em tempo algum, meu caro, surgiu criatura à face da Terra que na sua aparente simplicidade seja tão complicada quanto a mulher aos olhos daqueles que não tenham a ciência dos alquimistas. E essa, digo-lhe aqui eu não é segredo dos alentejanos. :)))

    ResponderEliminar
  2. Oh meu caro FP, quem sou eu para o contrariar.
    Se você o diz, lá sabe o porquê e eu respeito muito isso.
    Se calhar há é um alquimista em cada Alentejano, será isso ?

    ResponderEliminar
  3. Anónimo8/2/10

    Bela homenagem ao Alentejo e aos alentejanos. Talvez um dia me retire para lá. Se não me conseguir pirar daqui.

    ResponderEliminar
  4. Eu também acho que os alentejanos são merecedores desta homenagem.
    Mesmo vivendo muito próximo do alentejo, sempre que por lá vagueio sinto uma tranquilidade fantástica..

    ResponderEliminar
  5. Se calhar não me expliquei bem, ou então entendi mal. Mas que não seja isso motivo de altercação entre dois pacatos cidadãos lusos.
    A verdade é que o Alentejo foi visto durante anos como o rincão menor de Portugal e isso foi profundamente injusto mas também permitiu que muita boçalidade instalada não causasse estragos de maior.
    E como diz o Rui, que belo sítio para uma retirada estratégica!

    ResponderEliminar
  6. Não tarda estamos lá todos não ?
    Eu já ando a "fazer a cama" para nela me deitar.

    ResponderEliminar
  7. Meu caro, tivesse eu a sorte da fortuna me sorrir!

    ResponderEliminar
  8. Anónimo9/2/10

    Ó Quinn... a sorte da fortuna te sorrir? olha-me este! :))
    Eduardo, gostei imenso desta tua perspectiva! especialmente da referência a esses dois monstros... complexos de inferioridade... muuuiiito sérios! muito maus.

    ResponderEliminar