18 de novembro de 2011

Momentos.

Durante toda a minha infância, e fazendo fé nos relatos dos meus Pais, várias foram as vezes em que as minhas atitudes e respostas tinham tanto de rápidas e brilhantes quanto inconvenientes e causadoras das maiores vergonhas … para eles, claro, que eu arrepiava caminho como se nada fosse.
Uma dessas situações, que foi contada vezes sem conta pelos meus Pais, e da qual eu por acaso me lembro perfeitamente, aconteceu algures nos finais dos anos 70 junto à muralha do Castelo de São Jorge.
Uns amigos dos meus Pais vivam ali muito próximo do Castelo de São Jorge, e de vez em quando lá calhava um almocinho domingueiro na sua casa.
Lembro-me bem desses almoços por causa dum detalhe maravilhoso, o dono da casa (de quem, confesso, já não me lembro do nome), era um indefectível adepto do Belenenses, e a toalha da mesa usada nesses almoços era, nada mais, nada menos, que uma enorme bandeira do Clube de Belém.
Mas adiante. Após o almoço desse dia, lá seguimos em romaria até às muralhas do Castelo de São Jorge para contemplar a esplendorosa vista sobre o Tejo.
Ali chegados, eis que me deparo com uns miúdos da minha idade que estavam entretidos a jogar ao berlinde, rapidamente me enturmei com aquela rapaziada e, munido dos meus próprios berlindes, que nunca me saíam dos bolsos das calças, lá me lancei na jogatana.
Por ali fomos ficando, nós, absortos no jogo do berlinde, os adultos, entretidos à conversa, quando de súbito notámos que havia uma certa agitação no ar, os adultos que por ali andavam todos sussurravam entre eles e começaram a virar os seus olhares na nossa direcção.
Achei aquilo muito estranho, até que levantei a cabeça e descobri a razão de toda aquela agitação.
Quem é que andava por ali na passeata, e se dirigia agora a nós, aquele grupo de gaiatos que jogava ao berlinde ?
Nada mais, nada menos, que o Sr. Dr Mário Soares.
Assim que os nossos olhares se cruzaram, aquela (na altura) enorme figura dirige-se-me com o mais rasgado sorriso, próprio de quem andava em campanha, e pergunta-me :

- Então menino, também posso jogar convosco ?

Surpreso, e sempre com a minha língua mais rápida que o meu próprio raciocínio, gritei alto e bom som na direcção dos meus Pais :

- Olha Mãe, é o Bochechas !

Ainda hoje me lembro na perfeição que nos segundos imediatamente a seguir à minha exclamação o silêncio foi ensurdecedor, mas rapidamente cortado pelas mais altas gargalhadas que todos os adultos que por ali andavam podiam soltar.

O Dr. Mário Soares, esse, endireitou o espinhaço e arrepiou caminho dali para fora sem olhar para trás.

Os meus Pais, esses, viraram-me as costas e fizeram de conta que nem me conheciam.

E eu, passados estes anos todos, dou por mim a pensar que em miúdo, afinal, era bem mais educado do que sou hoje.

3 comentários:

  1. Essa está muito boa :-))) Acho que ainda não perdeu o dom da sinceridade, e isso é muito bom :)

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  2. Olá Benjamina, espero bem não perder, nunca, esse dom.

    Até tremo quando penso no que me sairia hoje, boca fora, se me cruzasse de novo com o Dr.Soares !
    Era logo preso, com certeza :-)))

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  3. Eras o que pode chamar-se um menino super-educado...

    Um abraço.

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