O Zé, movido pela loucura do crédito fácil, chegou a uma situação catastrófica onde os ganhos já não chegam para fazer frente aos gastos. A família do Zé encontra-se agora à beira do colapso, e já nem os bens alimentares mínimos são uma certeza para eles.
Aflito, e sem ter como solucionar a situação pelos seus próprios meios, o Zé decidiu pedir ajuda ao seu Patrão.
Solícito como sempre, o Patrão perguntou-lhe :
- Ó Zé, então diz-me lá rapaz, quanto é que tu deves ao todo, que é para eu te emprestar o dinheiro para tu resolveres a questão ?
- Patrão, ao todo devo 100.000€, com uma taxa de juro de x%
- Epá ! isso é massa como o caraças ! Mas deixa lá que eu vou ver o que te posso fazer.
O Zé lá foi para casa, coraçãozinho apertado, na esperança de que o Patrão o pudesse ajudar naquela hora tão difícil.
No dia seguinte o Patrão manda chamar o Zé.
- Olha Zé, estive a analisar o teu caso, e penso que te posso ajudar.
- Ai Patrão, Deus o ajude, diga lá então como é que vai ser ?
- Fazemos assim Zé, eu empresto-te o dinheiro todo que precisas e tu abates de imediato as tuas dívidas junto dos credores.
Mas temos de combinar aqui duas ou três coisitas.
1º Dado que te estou a emprestar o dinheiro todo, hás de compreender que eu te cobre juros no valor de x+y%. Onde x é o valor que já pagavas anteriormente aos credores, e y … olha, considera o y como o meu spread pá !
2º Dado que te estou a ajudar agora, os aumentos anuais que eu te dava, ficam congelados para os próximos 3 anos.
3º Uma vez que te estou a dar a mão, tens de aceitar que a partir de agora o teu horário de trabalho passe das 40 horas semanais, para aquelas que forem precisas, sabes que estamos cheios de trabalho e eu conto contigo para fazer a empresa andar para a frente.
O Zé, encantado com a amizade do seu Patrão, e livre que se via naquele momento dos credores que até ali o perseguiam, nem pensou duas vezes.
Aceitou prontamente as condições propostas e lá seguiu para o seu posto de trabalho.
No dia seguinte, pela manhã, dirigiu-se aos bancos e empresas de crédito e saldou todas as suas dívidas.
Quanto despachou o último desses assuntos, o Zé sentia-se outro, o ar da rua era mais leve, e a felicidade estava estampada no seu rosto.
Durante aquele 1º mês, a vida do Zé era outra, mais feliz, desafogado, o Zé encarava agora a vida com outros olhos.
Os problemas (re)começaram precisamente quando recebeu o 1º ordenado já nas novas condições que o Patrão lhe propusera.
Automaticamente o Patrão tinha feito os descontos do empréstimo no seu ordenado, e foi só aí que o Zé percebeu que afinal lhe sobrava ainda menos dinheiro que nos meses anteriores.
Aflito, começou finalmente a ver que aquela ajuda do Patrão era bem capaz de lhe ter estragado ainda mais a vida.
O que fazer ? pensou o Zé.
Já sei ! vou arranjar um 2º emprego, trabalho como um doido, mas hei de arranjar maneira de pagar o que devo.
Mas logo se lembrou que essa solução se tinha tornado impossível desde que o Patrão o ajudou. Então ele agora passou a entrar às 7:00, e raras têm sido as vezes que sai de lá antes das 21:00.
Que diabo ! como é que eu resolvo isto ? pensava o Zé.
A verdade é que não resolveu, a situação tornou-se insustentável e o Zé não resistiu a tanta pressão. Sucumbiu ontem, pelas 21:30 quando regressava a casa.
O médico legista diz, no relatório da autópsia, que a causa da morte se deve a níveis elevados de stress, cansaço acumulado extremo, má nutrição e problemas respiratórios graves provocados pela inalação de químicos usados na fábrica do seu Patrão.
p.s.
para melhor compreensão deste texto recomenda-se que :
1 - Onde se lê Zé, se passe a ler, Portugal.
2 - Onde se lê Patrão, se passe a ler, FMI/UE/BCE.