O acordar lento e doloroso, aquela secura extrema na boca, que lhe conferia uma textura encortiçada, o calor do sol do meio da manhã que já se fazia sentir, num quarto impregnado de aromas etílicos, e eis que, ao primeiro movimento no sentido de levantar a cabeça, surge a confirmação.
Ressaca ! e das valentes.
- Porra ! por onde é que eu andei ontem ?
- Ah ! já sei … pois é, a coisa ontem toldou um bocado.
- Xiii pá ! que horas serão isto ?
- Deixa-me cá levantar, devagarinho, não vá a carga toldar e estragar o resto.
Alcançada a posição de sentado na cama, as primeiras tonturas surgem, mas depressa o cérebro se habitua à posição vertical.
Menos mal, agora, apoiado à cabeceira da velha cama de ferro, ergue-se, até estar totalmente de pé. Num passo trôpego, alcança a alça da persiana, que abre apenas até que a luz passe pelos buracos. Abri-la toda seria, seguramente, caminho certo para uma cegueira imediata e momentânea, provocada pelos raios daquele Sol de Verão.
Abre a janela, para que o ar limpo e carregado de maresia entre naquele fétido ambiente do quarto e assim se deixe de sentir no interior dum alambique.
Duas inspirações mais profundas, e eis que o vómito surge de súbito, mas ele controla-o , com esforço é certo, mas repleto de apuro técnico conquistado em ocasiões anteriores. Chegado à porta do quarto, abre-a, somente o suficiente para espreitar se o caminho até à casa de banho está livre. A Mãe está lá fora, a estender a roupa. Não há tempo a perder. Em passadas rápidas, ainda que titubeantes, alcança a casa de banho. Uma vez lá dentro tranca a porta. Abre a torneira do lavatório e bebe. Bebe muita água, mesmo muita.
- Ai que bom ! nunca mais me enfrasco outra vez, porra !
De súbito, a Mãe entra em casa e repara na porta do quarto aberta.
- Estás onde ?
- Estou na casa de banho, Mãe.
- Que horas eram ontem quando chegaste ?
- Ontem não … hoje, Mãe, já foi hoje !
A piadinha aliviava sempre a pressão que a velhota exercia naquelas ocasiões.
- Estás muito engraçadinho estás, deixa que o teu Pai depois fala contigo. Ai rapaz que tu não ganhas juízo e eu já não sei o que te diga.
- Deixa lá Mãe, não fiz nada de mal.
De imediato lava os dentes, de forma frenética e com abundância de pasta dentífrica, como se daquela forma pudesse limpar e refrescar não somente a boca, mas todo o interior da sua latejante cabeça.
O banho, longo, começa por água tépida, que gradualmente vai arrefecendo até só já correr água fria do chuveiro.
Sente-se melhor, revigorado.
O desodorizante e o perfume devolvem-lhe a dignidade até ali perdida.
Sai, de toalha à cintura, já com as tonturas controladas e sorri de forma descarada à Mãe, dando-lhe um beijo de bons dias.
Veste-se, e quando se prepara para o pequeno-almoço, a Mãe surpreende-o com um copo de leite na mesa.
Leite ? pensa ele para com os seus botões. Com esta ressaca se bebo um golo “vai tudo fora”.
- Ò Mãe, obrigadinho mas eu não quero leite. Bebo antes um suminho de laranja.
- Suminho de laranja ? Estás bonito estás. Andaste a beber ontem, não foi ?
A velhota já lhe conhecia as fraquezas, e ele acabara de cometer deslize fatal com a história do suminho.
- Lá estás tu Mãe, é obvio que bebi, pois se uma pessoa sai à noite, é claro que bebe. Agora dai até ficar bêbado …
O encolher de ombros da Mãe sentencia a conversa, e transmite-lhe, por um lado, o descanso da mesma ter ficado por ali, por outro, a tristeza de ver que a Mãe ficou arreliada com a situação.
Sai de casa, lampeiro, e já com outro ânimo, toalha ao ombro em direcção à praia. Por lá encontra os amigos do costume e quase todos se encontram em idêntico estado de ressaca. O dia corre solto, e eis que chega a noite.
Encontram-se no bar do costume.
O empregado pergunta :
- O que é que vai ser ?
…
A história repete-se, até que Setembro chega, e com ele as responsabilidades da vida !